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segunda-feira, 13 de junho de 2011

A ANIMALIZAÇÃO DO SER HUMANO

"O Bicho"

Vi ontem um bicho

Na imundice do pátio

Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa;

Não examinava nem cheirava:

Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,

Não era um gato,

Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.


Em 1947, Manuel Bandeira escreveu o poema “O Bicho” onde ele retrata a condição social de indivíduos que vivem em situações precárias. Essas pessoas, geralmente, não possuem empregos nem moradias, estando dependentes de uma incessante busca pela sobrevivência de maneira miserável. A busca acontece nas ruas e nos lixões das cidades onde os restos de alimentos, que não foram consumidos por outras pessoas, os mantêm vivos. O poeta ilustra bem essa situação, pois ele faz uma analogia do ser humano com os animais. Afinal, o homem revira o lixo na procura de comida assim como um cão, um gato ou um rato. Além disso, cata a comida entre os detritos sem escolher nem selecioná-la, engolindo com voracidade os restos encontrados. Essa degradação humana narrada por Manuel Bandeira em um texto metafórico define, no final do poema, o homem como sendo um bicho. É possível perceber que o poeta faz uma crítica à sociedade e à desigualdade existente em razão da miséria. Portanto, é preciso pensar sobre o abandono dessas pessoas pelas autoridades responsáveis, que resulta na exclusão e no afastamento, cada vez maior, da sociedade.

Cabe aqui relacionar o poema “O Bicho” com um belíssimo documentário intitulado “A Ilha das Flores”, de Jorge Furtado produzido em 1989. Tanto o poema como o documentário apresentam a pobreza, a fome e a exclusão social como temas principais. O filme mostra a sociedade tendo como enfoque os problemas econômicos e culturais, retratando o poder do consumismo e o desperdício de alimentos a partir de uma série de associações feitas com um tomate: plantado, colhido, vendido a um supermercado, comprado por uma dona-de-casa, rejeitado na hora de fazer o almoço, jogado no lixo, levado para a Ilha, rejeitado pelos porcos e encontrado por alguém com fome. A condição extremamente miserável dos habitantes da Ilha das Flores é percebida uma vez que, numa escala de prioridade, os seres humanos estão depois dos porcos no direito de buscar a sobrevivência nas sobras da alimentação de outras pessoas. Durante aproximadamente 13 minutos, Jorge Furtado consegue exibir a condição social do indivíduo através de um interessante curta-metragem que agrega diferentes assuntos com o valor da liberdade do homem. Enfim, é preciso destacar a mensagem do documentário que se relaciona perfeitamente com o poema do Manuel Bandeira por assim concluir: “O ser humano se diferencia dos outros animais pelo telencéfalo altamente desenvolvido, pelo polegar opositor e por ser livre. Livre é o estado daquele que tem liberdade. Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”.

A liberdade dos seres humanos requer a não existência da exclusão social que impede que todos consigam dispor de si. Portanto, cabe a nós refletirmos sobre o poema e sobre o documentário com a intenção de buscarmos questionamentos e respostas para temas tão importantes da nossa sociedade. De quem é a culpa? Até quando a situação vai permanecer assim? Em 1947 foi escrito o poema e em 1989 foi produzido o documentário. Estamos em 2011 e tudo parece igual, ou pior.

Documentário "Ilha das Flores": http://www.youtube.com/watch?v=Hh6ra-18mY8

6 comentários:

  1. Extremamente relevante a analogia entre o poema de Manuel Bandeira e o premiado documentário do diretor gaúcho. A realidade "não mudou" porque parece inerente ao desenvolvimento da personalidade de algumas pessoas o contraste social, na medida em que alguns "são mais humanos" na intensidade da "animalização" de outros. Nesse sentido, a diminuição da desigualdade social não seria tão somente um acaso de política pública, mas sim um fenômeno de nichos comunitários. Aqui o aporte da ciência da psicologia faz-se sentir: torno-me "mais rico" e "mais feliz" enquanto "os outros" agem, comem e dormem "com e como os porcos". Aguardo uma réplica da autora do texto acerca dos tópicos aqui levantados. Obrigado.

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  2. Interessantíssimo este texto,trazendo uma analogia bastante rica em relação à marginalização do ser humano, no contexto sócio-econômico.
    Um tema difícil de ser abordado, principalmente por ser a realidade de milhões de brasileiros e pelo forte impacto de percebermos o quanto este grupo torna-se semelhante a animais, em termos de oportunidades e necessidades.
    Um contraste social,se levarmos em conta as toneladas de comidas desperdiçadas no dia a dia,pela classe média.
    Tomarmos consciência deste mar de distância entre ricos e pobres, no que diz respeito a dignidade e direitos básicos de cada ser humano, nos fará respeitar e valorizar o que possuímos, além de lutarmos por um mundo mais justo e consciente.

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  3. Interessantes as reflexões de vocês e também os comentários. Especialmente em relação ao fato de que as coisas não parecem mudar. Na verdade elas se transformam, mas sempre terão pessoas excluídas de algum aspecto. No Brasil temos o problema da desigualdade social, da miséria. Em outros países, outros tipos de exclusão são dominantes. Mas vemos que a exclusão não é "uma falha" do sistema e sim uma produção dele. Precisamos refletir sobre as questões que produzem exclusão!

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  4. Parabéns à aluna! Agradeço o texto e a disponibilização do documentário.

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  5. Concordo com as ideias apresentadas pela Neusa. Não há dúvidas que em alguns nichos comunitários a dependência da felicidade está vinculada com a infelicidade alheia. A desigualdade mostra que enquanto alguns estão "ricos e felizes", outros permanecem "agindo como porcos". Por isso, fiz referência à animalização do ser humano no título do texto.

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